Manifestação cultural rara no território nacional, a Marujada de Curaçá, no norte da Bahia, promove um encantador momento de celebração folclórica. Centenas de pessoas participam da festa no último dia do ano e promovem um colorido todo especial na cidade.
No início do século XIX, a construção da capela de Bom Jesus da Boa Morte, com mão de obra escravizada, marca os primeiros indícios da tradição organizada pelo povo negro em homenagem à São Benedito.
Como os negros escravizados só tinham um dia de descanso anual, o 31 de dezembro se tornou a data de devoção do santo no município. E assim se mantém uma das mais emblemáticas manifestações de resistência do país. Das primeiras horas do dia até o entardecer, marujos rendem homenagens ao santo protetor, numa mistura de ato de desenfadamento e protestação às relações instituídas pelos governantes. Somente a partir de 2002, as mulheres começaram a participar das linhas de frente do cortejo. Com o passar dos anos, também se tornou comum a participação de muitas crianças e adolescentes.
Atualmente, uma grande quantidade de participantes embarca em um ponto chamado Roça Boca da Barra e desembarca na orla da cidade, em um lugar conhecido como Porto de Curaçá, enquanto outros já os aguardam para o início do cortejo. Reunidos na Praça São Benedito, centenas de marujas e marujos coroam o santo homenageado e começam a percorrer as ruas da cidade.
Os trajes dos participantes carregam a predominância do branco, vermelho e amarelo. Esse colorido simboliza uma espécie de diálogo com outras manifestações que já existiam na época de sua origem. Um objeto marcante é o espelho fixado no chapéu. De acordo com historiadores e sociólogos, o uso do espelho impregnava um código que servia, inclusive, como instrumento de proteção contra os movimentos repressivos.
Os cânticos e danças são assinalados por instrumentos musicais como o bumbo, o pandeiro e a viola. As cantorias têm letras que entoam, além das homenagens à São Benedito, lembranças das viagens em navios negreiros. Acende aqui uma das hipóteses para a inclusão do termo marujo. Outros versos consumam a perseverante luta contra a desumanidade e, o comportamento da manifestação, continua a suscitar questionamentos sobre a moralidade vigente.
Durante o trajeto inicial, o rei e a rainha são visitados e passam a integrar o cortejo. Por tradição, apenas pessoas negras poderiam ocupar tais postos. Porém, mediante promessa feita à São Benedito, as colocações foram flexibilizadas.
Ainda cedo, o cortejo segue primeiro para as casas ou lugares que oferecem fartos cafés da manhã. As ofertas das refeições do dia são advindas de promessas dos devotos, principalmente, dos familiares do rei e da rainha do ano. Após o café da manhã, rei, rainha, marujas e marujos retomam as ruas com destino à igreja no centro da cidade, onde é celebrada uma missa. O envolvimento da comunidade impressiona e aclama todo o trajeto. Novamente, após a celebração, a Marujada acena os caminhos da cidade de Curaçá (BA) e assim segue durante todo o dia. É uma genuína manifestação cultural, repleta de particularidades que a identifica entre as demais que lhes assemelham no território nacional.
Para conhecer a Marujada de Curaçá, partindo de Petrolina (PE), basta acessar a BA-210 e percorrer os cerca de 100km até o destino.
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