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Festa de São Benedito de Curaçá

São Benedito é um santo católico das chamadas “devoções negras” que, no Brasil, se popularizaram durante o período escravocrata. As versões mais aceitas sobre a sua história afirmam que Benedito era descendente de africanos escravizados na Etiópia ou mesmo ele próprio escravizado e capturado no norte da África. Por isso, é tradicionalmente venerado pelos negros, que relacionam a origem do santo com a experiência da diáspora africana.

Em Curaçá (BA), a tradição remonta ao período escravocrata, quando era concedido aos escravizados um dia de descanso para o festejo do santo negro, o dia 31 de dezembro.

Mas as comemorações iniciam bem antes das homenagens dos marujos ao seu santo protetor, na rara manifestação cultural conhecida como Marujada de Curaçá. O prólogo da Festa de São Benedito ocorre no dia 25 de dezembro, com o início da Peregrinação da Bandeira de São Benedito às casas da comunidade católica.

Na noite do dia 30 de dezembro, acontece a Procissão Luminosa seguida do Hasteamento da Bandeira. Uma multidão de católicos e apreciadores da tradição se reúnem para a missa na Praça Raul Coelho, em frente ao centenário teatro da cidade. É o primeiro ato da cerimônia. A poucos metros dali, fica a casa de mãe Sérgia, falecida há tantos anos, de quem os devotos guardam saudosa memória, por ter tido a honra de ser a guardiã da Bandeira de São Benedito.

Atualmente, quem abre a casa e fica à espera do término da missa para a entrega da Bandeira à Procissão Luminosa é o neto de mãe Sérgia, Antônio. É ele quem testemunha a devoção de sua avó por duas missões sagradas: guardar a Bandeira de São Benedito e entregar vidas ao mundo em seu ofício de parteira, o que lhe conferiu o epíteto de “Mãe”. Antônio recorda que “mãe Sérgia era baixa e escurinha, uma parteira muito aplicada”.

Enquanto os devotos acendem suas velas e se organizam para a Procissão Luminosa, Jarbas, herdeiro de seu tio Gildásio (Dedé Preto) do encargo de transpor a Bandeira pelas ruas da cidade, adentra a casa de mãe Sérgia com Antônio. Escorada na grossa e antiga parede do lar exclusivo da imagem pintada de São Benedito, a “Bandeira representa tudo para o povo de Curaçá”, nas palavras emocionadas de Jarbas. Em frente à casa, algumas pessoas já aguardam ansiosamente o encontro com seu querido santo ali representado.

A Procissão Luminosa se organiza da seguinte forma: um trio elétrico na frente com um som potente animando a caminhada, um carro aberto com uma imagem esculpida de São Benedito num andor, a bandeira de São Benedito carregada por Jarbas e uma multidão acompanhando com velas acesas, entoando o Hino de São Benedito:

Ó São Benedito
Excelso senhor
A terra exaltai
Com vosso valor
Por vossa grandeza
Por vosso valor
O povo vos ama
Excelso senhor
O rio se eleva
A chuva aparece
Os lagos transbordam
E os campo enverdecem
Ó astro divino
Que nos irradia
Vós sois desta terra
Maior alegria
Transpondo essas ruas
Tão iluminadas
Revive o passado
Já quase olvidado
Ó São Benedito
Oim de vidraça
Ele é pretinho
Mas tem sua graça
Meu São Benedito
Vossa manga cheira
A cravos e rosas
Flor de laranjeira
Que santo é aquele
Que vem no andor
É São Benedito
Excelso senhor

As luzes das velas se misturam às luminárias da decoração natalina e a cidade atravessa uma noite gloriosa. Alguns fiéis, em cumprimento de promessa, caminham de pés descalços durante todo o percurso. O Hino de São Benedito é entremeado de outros cânticos religiosos e orações ao longo dos 50 minutos de caminhada. Já próximo da igreja matriz de Curaçá, a procissão passa a ser animada por uma banda de música ao som de outro cântico:

Que bandeira é essa
que vamos levantar?
É de São Benedito
Que vamos festejar
Viva, viva
Viva São Benedito
Que vamos festejar

Cerca de 40 homens carregam o mastro sobre o qual será erguida a Bandeira de São Benedito. O epílogo da cerimônia acontece em frente à Igreja do Bom Jesus da Boa Morte, no encontro entre os dois padroeiros da cidade. Enquanto devotos aproveitam os últimos instantes de presença da bandeira ao alcance das mãos, Jarbas faz a amarração que seu tio Gildásio lhe ensinou. Um foguetório e uma salva de vivas acompanham o levantamento da Bandeira de São Benedito, que agora já tremula mais próxima do céu. Até o Dia dos Santos Reis, 6 de janeiro, a bandeira fica ali hasteada, quando então retornará à casa de mãe Sérgia para renovar uma tradição luminosa que atravessa gerações de um mundo diaspórico.

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